A “Operação Faraó”, deflagrada ontem (19) pelo Ministério Público Federal (MPF), com apoio da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal, levou ao bloqueio de R$ 26,5 milhões da Fundação Norte-rio grandense de Pesquisa Cultura – FUNPEC/UFRN, pesquisadores do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS/UFRN) empresários e empresas contratadas para o projeto “Sífilis Não”, programa de abrangência nacional, que pretendia contribuir para redução dos casos de sífilis adquirida e sífilis em gestantes no Brasil. Além disso foram cumpridos 20 mandados de busca e apreensão em Natal (5), São Paulo/SP (3), Brasília/DF (11) e Balneário Camboriú/SC (1).
A operação investiga irregularidades na aplicação dos recursos na ordem de R$ 50 milhões que foram transferidos pelo Ministério da Saúde à UFRN que, por sua vez, os repassou, para a Funpec, com o objetivo de execução do Projeto “Sífilis Não”. Os indícios de irregularidades identificadas durante as investigações totalizam um prejuízo potencial de até R$ 26,5 milhões em valores atualizados.
A investigação teve início a partir de denúncia recebida pelo MPF de que a agência publicitária Fields Comunicação LTDA teria feito tratativas suspeitas a fim de vencer a “Seleção Pública” realizada pela Funpec. A empresa sediada em Brasília/DF foi a única participante do certame e já era, segundo os investigadores, tratada pelo Núcleo de Mídia do Ministério da Saúde como a responsável pelo projeto “Sífilis Não” cerca de seis meses antes da publicação do edital. Apurou-se ainda que no Ministério do Esporte, a Fields teria um esquema de direcionamento de licitações que teria migrado para o Ministério da Saúde.
Segundo foi apurado pelos órgãos investigativos, há dados suficientes que apontam para as irregularidades no contrato nº 6186.21.1417, firmado entre a UFRN e Funpec, bem como no contrato nº 12.18.0017.00, realizado entre a Funpec e a agência Fields, refletindo-se ainda nas subcontratações promovidas por essa última.
Além disso, existem indícios de participação nas irregularidades de agentes públicos e sócios das pessoas jurídicas desde a contratação da Funpec pela UFRN até a contratação das agências de publicidade pela Fields.
Os indícios foram reforçados com a quebra do sigilo de dados bancário, fiscal, telefônico e telemático das pessoas envolvidas e os mandados de busca e apreensão foram complementados com o bloqueio de bens dos envolvidos.
Números
R$ 50 mi – é o valor do contrato de publicidade dentro do projeto “Sífilis Não”, investigado pela Polícia Federal
Viagem e jantar pagos com cartões corporativos
Em duas outras metas do projeto “Sífilis Não”, a Funpec pagou R$ 3 milhões à Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratório (Abimo), num acordo assinado pelo presidente da associação, Franco Maria Giuseppe Pallamolla e Ricardo Valentim, coordenador dos projetos e do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS/UFRN).
Com os recursos desse contrato, a Abimo forneceu cartões corporativos para as despesas dos pesquisadores em relação ao projeto. Porém, os gastos foram muito além.
A decisão do juiz Mário Jambo narra que, numa das ocasiões, Ricardo Valentim e a esposa Janaína Valentim, além de 18 pesquisadores ou colaboradores do LAIS, participaram do o 7º Congresso de Inovação em Materiais e Equipamentos para Saúde (7º CIMES), em São Paulo.
Pelo que a investigação apurou, os participantes do evento receberam diárias cheias pela Funpec em razão da viagem, e, paralelamente, tiveram passagens e hospedagens custeadas pela Abimo, com recursos do projeto, quando em verdade a diária deveria ter sido paga pela metade.
Além disso, há informações no processo de que o evento referido não tenha qualquer relação com o Projeto “Sífilis Não”. Nessa mesma linha, verificou-se que foram custeadas diárias e passagens de estudantes e/ou bolsistas e pesquisadores do LAIS não vinculados ao projeto, trazendo indícios de desvio de finalidade dos recursos aportados.
Há informações que apontam para a utilização dos valores do projeto para custear a ida do filho do casal Valentim, além da babá da criança, todos no Hotel Maksoud Plaza, onde ocorreu o evento. Igual prática se repetiu em uma viagem feita para Mossoró/RN, ocasião em que Ricardo e Janaína se hospedaram em um dos quartos do Hotel Thermas, e o filho do casal e a babá em outro quarto.
O MPF acredita que Ricardo Valentim e os pesquisadores utilizaram critérios próprios para recebimento de diárias nacionais e internacionais em razão do projeto “Sífilis Não”, aos invés dos parâmetros definidos pela Portaria nº 132/2016 – CAPES. De acordo com levantamento feito pelo Ministério Público, o prejuízo correspondente à diferença entre o que a Abimo pagou e o que deveria ter sido pago foi de R$ 29.178,62, o que reforça os indícios de utilização de parte dos recursos em benefício pessoal.
A análise das despesas com os cartões corporativos dos pesquisadores do projeto capitenado pelo LAIS revelou ainda gastos em restaurantes, em encontros aparentemente sem nenhuma relação com o projeto “Sífilis Não”. Um desses gastos foi o realizado em nove almoços ou jantares nos restaurantes Nau Frutos do Mar, Santa Maria e Tábua de Carne, durante a 2ª Conferência Internacional de Inovação em Saúde, ocorrida em 2018, que consumiu R$ 11.643,48.
Estima-se que apenas com a utilização dos cartões corporativos dos pesquisadores do LAIS foram gastos indevidamente do erário a quantia de R$ 61.569,79, e que 90% desse valor, é dizer, R$ 57.543,13, teria sido gasto pelos dois primeiros. Os dados estão presentes na decisão do juiz Mária Jambo, tornada pública ontem.